Mesmo que você não se veja como um turista, mas sim como alguém que “curte a natureza, trilhas, cachoeiras, montanhas e aventuras”, considere as questões levantadas aqui.
Talvez você seja uma pessoa que se aventura sozinho ou que prefere sair em grupo de amigos em trilhas. Nossa insistência é que busque o máximo de informação sobre o lugar para onde vai e sobre questões de segurança ligadas a atividades grupais na natureza (em alguns países, independente de ser um profissional do turismo ou não, o líder do grupo é o responsável - perante a Lei - pela segurança e em casos de acidentes).
Diante dos desafios no Turismo de Aventura no Brasil, com acidentes, mortes, onerosos resgates e deficiências estruturais na gestão de segurança em parques e outros locais de acolhida, achamos fundamental alertar as pessoas para não se aventurarem sozinhas em atividades na natureza (trilhas, cachoeiras, montanhismo etc.). Os riscos diminuem quando se contrata uma Agência de Turismo especializada nesse setor ou guias credenciados e qualificados para atividades na natureza.
Turismo e Turismo de Aventura
Turismo, como entendemos hoje, é uma invenção do séc.XIX, quando surgiram os primeiros grupos organizados de viajantes a passeio. Desde então tornou-se uma das indústrias mais rendosas da história, com complexa organização de setores que devem funcionar em uníssono: transportes, hotelaria, restaurantes, atrativos culturais e profissionais treinados para planejamento, organização, atendimento e segurança de pessoas. Entre os atrativos oferecidos, que vão do simples ócio diletante ao deslocamento para locais distantes de onde se habita, surge, nas últimas 3 décadas, o Ecoturismo ou o Turismo de Aventura, que pela própria proposta, prescinde de alguns requisitos do turismo urbano, como hotelaria, por exemplo, principalmente quando o atrativo é a aventura da exploração dos ambientes naturais.
O Turismo de Aventura veio se desenvolvendo em meio a ideias mais abrangentes ligadas a temas gerais como: experiência na natureza, ecologia, esportes radicais, exploração de ambientes naturais, enfim, aventura ou cultura do risco. Agências de Turismo passaram a planejar e oferecer pacotes turísticos baseados em vivências na natureza, com camping, trilhas e atividades semelhantes às realizadas nos esportes radicais, mas sem a competição que as caracterizam no âmbito dos esportes. Tais pacotes se destinam geralmente a parques públicos ou privados. O marketing desse turismo é voltado, basicamente, para o risco/aventura como atrativo principal. Muito já se falou sobre “risco real” (que deve ser controlado pelos profissionais desse turismo por meio de gestão de segurança) e “percepção de risco” (como o cliente vê e se atrai para o que lhe é oferecido).
Regulação da profissão
Além das questões específicas de gestão de segurança e prevenção de riscos nos locais que recebem turistas, alertamos para o elo mais importante entre consumo e oferta, elo feito por intermédio das Agências de Turismo e seus guias: é necessário que os clientes observem a formação/qualidade dos serviços oferecidos.
Como em qualquer outra profissão, os profissionais de turismo passam por formação regulada por leis.
Na Europa, os cursos de nível superior em turismo começaram nos anos 60. No Brasil, o primeiro curso universitário de turismo foi aberto em 1971 em São Paulo. Somos um país continental e homogeneizar a formação de mão-de-obra especializada em turismo em todo o território nacional é um desafio imenso. Paralela à formação universitária existem inúmeros cursos secundários para formação de profissionais para indústria do turismo, inclusive, e principalmente, para formação de guias.
O Ministério do Turismo foi criado no Brasil - como pasta autônoma - em janeiro de 2003. Em 2008 foi aprovada a Lei Geral do Turismo que reune várias normas regulatórias do turismo que existiam dispersas na legislação brasileira, criando também a obrigatoriedade do CADASTUR que é o sistema de cadastro obrigatório de profissionais que atuam no turismo. Essas são medidas mínimas que ajudam a organizar e promover isonomia nos serviços e qualidade dos profissionais em todo o país.
Se você pretende contratar uma Agência de Turismo ou um guia autônomo para passar um fim de semana ou alguns dias em uma trilha, uma cachoeira, uma montanha, praia, mergulho ou “n” outras situações na natureza, comece fazendo algumas perguntas:
- Quem capacita, habilita e credencia um guia hoje no Brasil?
- Existem guias especializados em Turismo de Aventura? A Agência que contratei é qualificada e está me oferecendo esse profissional?
Guia de Turismo - profissão reconhecida
Sistema de Gestão de Segurança é exigido pela Lei Geral do Turismo e é um direito do consumidor. É também seu direito ser informado sobre as condições dos locais que irá frequentar e sobre a qualificação dos profissionais envolvidos.
O Guia de Turismo é o elemento chave na experiência que você terá e principalmente na gestão direta de sua segurança in loco. Ele não é um simples acompanhante, ele representa a agência contratada e é profissional formado para responder às demandas que surgem durante as atividades.
No Brasil, até as décadas de 70 e 80, Guia de Turismo era uma atividade espontânea, amadora, improvisada e não regulada por lei. O reconhecimento da importância desse profissional fez com que o Guia de Turismo fosse a primeira profissão regulamentada pela EMBRATUR (1993, lei n° 8.623/93), e mais tarde, por meio da Portaria nº 27 do Ministério do Turismo, de 2014, ficou estabelecido que: considera-se Guia de Turismo o profissional que exerça as atividades de acompanhamento, orientação e transmissão de informações a pessoas ou grupos, em visitas, excursões urbanas, municipais, estaduais, interestaduais, internacionais ou especializadas. A mesma portaria exige também o cadastro no Cadastro dos Portadores de Serviços Turísticos (Cadastur).
Com a diversidade de campos de atuação foi criada uma classificação na formação dos guias: existe o cadastramento específico na categoria de Guia de Turismo Especializado em atrativo natural ou em atrativo cultural, e o interessado nessa categoria deve ser habilitado como Guia de Turismo Regional, devendo ainda possuir formação profissional específica para o Estado do atrativo turístico onde irá atuar e deve passar por cursos específicos de qualificação profissional.
Na portaria de 2014, a classificação da profissão de Guia de Turismo está assim:
Guia Regional: quando suas atividades compreenderem a recepção, o traslado, o acompanhamento, a prestação de informações e assistência a turistas, em itinerários ou roteiros locais ou intermunicipais de uma determinada unidade da federação, para visita a seus atrativos turísticos;
Guia de Excursão Nacional: quando suas atividades compreenderem o acompanhamento e a assistência a grupos de turistas, durante todo o percurso da excursão de âmbito nacional ou realizada nos países da América do Sul, adotando, em nome da agência e turismo responsável pelo roteiro, todas as atribuições de natureza técnica e administrativa necessárias à fiel execução do programa;
Guia de Excursão Internacional: quando realizarem as atividades referidas para o guia de excursão nacional, para os demais países do mundo; e
Guia Especializado em Atrativo Turístico: quando suas atividades compreenderem a prestação de informações técnico-especializadas sobre determinado tipo de atrativo natural ou cultural de interesse turístico, na unidade da federação para a qual o profissional se submeteu à formação profissional específica.
O Brasil oferece, desde 1965, a formação de Guia de Turismo a nível secundário no SENAC e o único pré-requisito desde aquela época é o Primeiro Grau completo (mas não existia a obrigatoriedade da formação para o exercício da profissão). A partir de 1990, com a regulamentação da Embratur, passou a ter a obrigatoriedade da formação profissional em instituições de ensino cadastradas e autorizadas pela própria Embratur. Hoje em dia, no SETEC por exemplo, a carga horária mínima do curso é 800 horas.
A diversidade cultural e dimensão continental do Brasil tem sido justificativa para a falta de controle dos desvios existentes na atuação das Agências de Turismo ou de guias autônomos no país. Apesar da regulamentação e de todas as leis que normalizam o processo de formação, existem, no mercado de turismo brasileiro, diversos indivíduos trabalhando irregularmente, sem formação, sem cadastro, ou com formação precária e essa situação é tão preocupante que o Ministério do Turismo, pela portaria 162/2015, criou um grupo de trabalho com o objetivo de instituir critérios de fiscalização dos serviços turísticos no Brasil.
Normalização e Certificação - reforço na formação
Uma maneira de avaliar se uma Agência de Turismo está em condições de atender bem as demandas do setor é verificar se ela tem um "selo" ou "certificado" de qualidade. Selos e certificados no turismo podem ser atribuídos por meio de diversos organismos: nacionais/estatais (como a Qualitur que funcionou na Bahia, por exemplo) ou estrangeiros (como o Gleen Globe, certificação de gestão ambiental, de uma empresa britânica e conhecido no mundo inteiro), enfim, existem iniciativas estaduais diversas e direcionadas à criação de selos que demonstram excelência em vários aspectos do turismo, como hotelaria, segurança etc.
A nível nacional existem apenas 3 iniciativas de certificação no Turismo, apoiadas pelo Ministério do Turismo e que estão no Plano Nacional do Turismo (2007-2010): 1) certificação de Competência e Ocupações no Turismo; 2) certificação do Sistema de Gestão de Segurança no Turismo de Aventura; 3) a certificação do Sistema de Gestão da Sustentabilidade para meios de hospedagem.
Aqui nos interessa a certificação do Sistema de Gestão de Segurança no Turismo de Aventura que se baseia em 24 Normas Brasileiras (ABNT NBR) desenvolvidas a partir dos estudos sobre o desenvolvimento das atividades turísticas nos ambientes naturais.
Como reforço e aprimoramento da formação de profissionais no Turismo de Aventura, o Ministério do Turismo, com apoio de instituições como a ABETA (Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura), a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) que representa o Brasil na ISO Internacional, o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) reuniram-se por vários anos e desenvolveram o Projeto de Normalização e Certificação em Turismo de Aventura. Os objetivos são, obviamente, o aprimoramento na segurança e qualidade dos serviços oferecidos no setor, abrangendo Sistema de Gestão de Segurança em todas as competências, como: montanhismo, rafting, canionismo e espeleoturismo, técnicas verticais, caminhada, cavalgada e cicloturismo, arvorismo, bungee jump, mergulho e atividades em veículos 4x4 etc. Foi criado um processo de desenvolvimento de normas técnicas com certificação para as empresas que se apresentarem, voluntariamente, para treinamento de líderes e condutores de turismo de aventura.
A conformação às normas da ABNT, portanto, não é obrigatória, mas é desejada e incentivada, inclusive constando na redação de alguns decretos governamentais.
"Norma não é Lei", no entanto, em determinadas circunstâncias, pode se tornar obrigatória. A ABNT foi fundada no Brasil em 1940 e é entidade privada sem fins lucrativos. É reconhecida pelo governo brasileiro desde 1962 e é o único foro nacional de normalização. Representa o Brasil em foros nacionais e internacionais de normalização e responde pelo processo de elaboração de normas brasileiras em todos os setores. Não elabora as normas, mas estabelece as diretrizes que são reconhecidas nacional e internacionalmente, orientando a sua elaboração pela sociedade e suas instituições. As normas são resultado de um consenso técnico sobre um determinado tema. Desta forma, a ABNT é citada, por exemplo, no Código do consumidor, na regulação da construção civil, no turismo e outros.
Escolhendo Agência e/ou GUIA
É desejável que a Agência de Turismo que venhamos a contratar esteja certificada pelas Normas Técnicas da ABNT, é uma garantia a mais sobre a qualidade da formação e capacidade para atender os desafios na condução de pessoas na natureza. Mas, empresas que tenham passado por essa certificação, em todo o país, são em pequeno número e esse contingente não responde à grande demanda nos Estados brasileiros.
A partir de 2015 a CBO (Classificação Brasileira de Ocupações), do Ministério do Trabalho, passou a classificar, além do Guia de Turismo, o Condutor de Turismo de Aventura, um profissional com formação específica para esse turismo em todo o território nacional. Essa formação pode ser feita no SENAC, por exemplo, ou em cursos que formam em conformidade com as Normas da ABNT. A CBO não é órgão regulador de profissão, mas é um referencial para o mercado.
Independente da formação com base nas Normas da ABNT ou não, é necessário observar a qualidade da formação e experiência dos guias e/ou condutores contratados, se estão cadastrados no Cadastur (isso é o mínimo como garantia de formação e é obrigatório em todo o território nacional), se têm referências etc.
Atividades na natureza são potencialmente perigosas e baixo preço de serviços oferecidos nesses locais não deve ser critério na escolha dos profissionais. Procure referências, informações sobre a qualidade dos serviços oferecidos tanto nos locais, quanto pelos profissionais. Um guia qualificado é capaz de prever e evitar várias situações de risco.
Com esse panorama em mente, conhecendo um pouco mais sobre a formação dos profissionais de turismo, acreditamos que as escolhas sejam mais lúcidas, contribuindo para a preponderância dos serviços responsáveis/qualificados.
imagens: under CC0 License exceto a do cabeçalho, de Angélica Brasileiro
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Fontes:
- Guia de Turismo: da origem da profissão a formação profissional, Fabiana Calçada de Lamare Leite e Maria Helena Alemany Soares.
- Uso da Norma Técnica NBR 15331 para Turismo de Aventura e Ecoturismo na atividade de guiamento em área de Montanha, Raphael Raine Forni e Cecília Bueno, Revista Interdisciplinar da Universidade Veiga de Almeida.
- Termo de Referência - Selo da Qualidade Nacional do Turismo, CADASTUR, Ministério do Turismo.
- Norma não é lei, mas por força de lei é obrigatória, Enga. Inês Laranjeira da Silva Battagin Superintendente do ABNT/CB-18, Membro dos Conselhos Técnico e Deliberativo da ABNT, Diretora Técnica do IBRACON .
- Folheto da ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas (2011)
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